INTRODUÇÃO: O sexto mandamento enfatiza a santidade da vida. Deus dá uma determinação
bastante objetiva, proibindo o assassinato, ou seja: nenhum indivíduo tem o
direito de tirar a vida do outro. As leis que emanam de Deus não são entre si.
Nesse sentido, as determinações dadas ao governo constituído de Israel,
delegando o poder de exercitar a pena capital, não significam quebra do sexto
mandamento, mas uma forma de executar justiça quando esse mandamento não foi
cumprido.
Nesse estudo queremos examinar o que
significa "não matarás" e o que está envolvido nessa determinação,
para nós crentes, no sentido de que estejamos ativamente cumprindo o
mandamento, e não apenas por omissão.
Vamos
analisar as ações de Caim e de Davi, em duas situações bem específicas e
conhecidas, que retratam a desobediência da quebra e a benevolência que
caracteriza o cumprimento do sexto mandamento.
A santidade da vida é uma determinação divina
e isso é evidente no sexto mandamento. A inferência desse mandamento é que
todas as ações que prejudiquem a integridade física do próximo são passos preliminares
de atentado à vida e constituem quebra do sexto mandamento.
Essa visão bíblica de santidade da vida,
encontrada neste mandamento e em outras passagens da Palavra de Deus, contrasta
com os costumes dos povos pagãos daquela época, que rodeavam a nação de Israel,
onde a vida humana era algo considerado sem valor ao ponto de muitas cerimônias
religiosas prescreverem o sacrifício humano, de forma banal e corriqueira.
Mas o contraste não está segregado ao
passado. Contemporaneamente, o Cristianismo continua diferindo em sua
compreensão do valor da vida, com a postura religiosa e genocida de muitos
povos. Temos testemunhado as barbaridades cometidas em Ruanda, Burundi e outros
países africanos e europeus, onde a etnia e identificação religiosa é causa suficiente
para a perda da vida ou mutilação até de crianças de berço. Em alguns desses
países as execuções em massa, por facões e machados, atingiram mais de um
milhão de pessoas. Na Argélia, muçulmanos "fundamentalistas" têm
massacrado aldeias inteiras, semeando o terror e a insegurança. Na Indonésia e
no Timor, multidões inflamadas por slogans muçulmanos, têm perseguido cristãos,
queimado igrejas e assassinado centenas de pessoas.
Talvez o caso mais aberrante dos tempos
modernos tenha sido o da Alemanha nazista, onde métodos de execução em massa
foram aperfeiçoados. Mas, na medida em que a sociedade ocidental vai perdendo
certos princípios cristãos de sua legislação e abraça uma visão cada vez mais
abrangente de permissividade e impunidade, observamos a vulgarização da vida,
com o aumento gradativo da criminalidade e da violência.
O
fundamento bíblico para a proibição ao assassinato é
que
o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn
1.26). Essa é a razão principal para que sua vida deva ser respeitada (Gn 9.6).
A Palavra de Deus trata com extrema severidade os assassinos e as pessoas
violentas. O sexto mandamento declara de forma sucinta e objetiva o erro e o
pecado de se atentar contra a vida de outrem.
Gn
4.1-16 relata o primeiro assassinato. Obviamente a pessoa de Caim e o
incidente registrado, antecedem a formalização da lei moral de Deus, conforme
encontramos nos dez mandamentos. No entanto, o caráter de Deus não muda. Sua
lei moral reflete esse caráter e a sua justiça. O registro desse incidente
ocorre também para nos ensinar que é errado uma pessoa matar outra. Deus já
abominava a violência na face da terra, consequência nefasta do pecado de Adão.
O ato pecaminoso de Caim demonstra a quebra dos princípios colocados no sexto
mandamento. Ao estudarmos o incidente, podemos extrair as seguintes lições:
A. O
pecado de Caim começou com uma desobediência
Deus
havia prescrito a forma pela qual ele devia ser adorado. Caim queria fazer as coisas do seu modo.
Quantas vezes desprezamos a Palavra de Deus e passamos a fazer o que pensamos,
ou o que queremos, do nosso modo, sem nos importarmos com o que ele prescreve
para o nosso bem?
B. Uma
pergunta que incomoda
"por
que Deus não aceitou o sacrifício de Caim? Afinal, ele parecia sincero, em seus
propósitos..." Análise do incidente, entretanto, mostra que a questão é
muito mais profunda do que apenas uma preferência divina entre os tipos de
oferendas de Caim e de Abel. A essência do caráter dos ofertantes e a devoção a
Deus, da parte de cada um é de grande importância, na compreensão do que se passou.
Existem, em adição, outras passagens bíblicas que nos mostram quem era
realmente Caim e de onde procedeu o seu sacrifício. Por exemplo, Hb 11.4 nos
fala que Abel agiu
pela fé. A inferência é que Caim não foi motivado pela fé.
C. O
caráter e a predisposição de Caim
O próprio texto, no v. 6, nos trás uma luz
adicional sobre essa questão. Deus pergunta: por que estás irado? Em vez de
se humilhar perante o Criador, ele se irou contra Deus. O v. 7 aprofunda a
nossa percepção sobre ele. Deus deixa antever que o submete a um teste e chama
atenção para o seu mal procedimento, colocando sobre seus ombros a
responsabilidade de autodomínio (se todavia procederes mal, eis que o pecado
jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo).
No v. 8, o texto registra que ... se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o
matou.
D. Filho
de Satanás
1
João 3.11-12 nos diz, em adição, que Caim era
...
do maligno..., significando que ele não possuía Deus em seu
coração e era filho de Satanás.
E. O
caminho da ganância
Judas
11, falando sobre o caráter e ações dos ímpios, menciona o ... caminho de Caim...,
identificando este com o
caminho dos ímpios e descrevendo-o como sendo um caminho cheio de ganância.
F. O mal exemplo imitado
O
resultado das ações inauguradas por Caim não tardou. Ele abriu caminho para o
desrespeito à vida. Em Gn 6.11 lemos que logo ... a terra, porém,
estava corrompida diante da face de Deus, e encheu-se
a terra de violência. Por causa dessa violência, Deus executou
julgamento e destruiu a todos, exceto a Noé e à sua família.
Os capítulos 24 e 26 de 1 Samuel relatam duas
ocasiões em que Davi esteve prestes a tirar a vida de Saul, que o perseguia com
inveja e rancor, mas teve respeito por sua vida e a poupou. Veja as
circunstâncias e fatos desses incidentes:
O
perigo que Davi sofria era real
|
Saul
possuía três mil homens escolhidos, contra os seiscentos esfarrapados de
Davi. A Bíblia nos diz, ainda, que o negócio de Saul – ou seja sua prioridade
e ocupação principal - era "tirar a vida" de Davi (23.15) e que ele
"maquinava o mal" contra Davi (23.9).
|
Davi já havia sido
ungido rei pelo profeta Samuel
|
Isso
significa que quanto mais cedo Saul morresse, mais cedo seria ele rei de
fato. A tentação para realmente tirar a vida daquele que o perseguia e o
atormentava, também nesse sentido, devia ser grande (16.12 e 13).
|
Davi possuía o temor
do Senhor em seu coração
|
Por
essa razão (24.5-7) não quebrou o sexto mandamento e arrependeu-se até de ter
cortado a vestimenta de Saul.
|
Davi
respeitava a Deus
|
No
segundo incidente (cap. 26) Davi mais uma vez poupa a vida de Saul (9 a 11),
por respeito a Deus.
|
IV. JESUS CRISTO E O SEXTO MANDAMENTO
Jesus ensina que por trás da quebra do sexto
mandamento está o ódio que as pessoas vão alimentando em seu coração umas pelas
outras. Temos a tendência de irmos armazenando mágoas recolhidas que só se
agravam com o passar dos dias. No Sermão do Monte (Mt 5.21-26) ele nos mostra
que quebramos o sexto mandamento quando temos ódio por nosso irmão.
Jesus
enfatiza a importância da reconciliação para a prática sincera da religião
verdadeira. Ele nos diz que antes mesmo de nos chegarmos a Deus, para adorá-lo,
devemos nos reconciliar com nossos desafetos. Vemos, portanto, que para
desobedecer o sexto mandamento, no seu sentido mais amplo, não precisamos sair
por aí atirando assassinando pessoas. Podemos quebrá-lo só em atitudes. Como
anda o nosso coração para com os nossos irmãos?
Nada tem contribuído mais para a
desobediência ao sexto mandamento e para a intensificação da violência do que a
diluição das punições estabelecidas pelo criador para os crimes contra a vida.
A sociedade moderna se orgulha de ter uma "visão progressista", de
ter caminhado a passos largos na compreensão dos direitos dos homens. No
entanto, despreza as diretrizes divinas e coloca a sua compreensão das questões
acima das prescrições e mandamentos de Deus. O humanismo substituiu o respeito
e submissão ao Deus de toda sabedoria. O homem acha que sabe melhor do que o
próprio Criador o que é melhor para si próprio e para a sociedade. Nem a
própria fragmentação dessa sociedade, nem a visão pragmática moderna – que mostra
que os princípios humanos são falhos e não funcionam na vida real, é suficiente
para corrigir a cegueira espiritual que assola os homens. Para maior tristeza
temos também muitos cristãos absorvendo pontos de vista do mundo, sem
submetê-los ao crivo das instruções das Escrituras.
A pena de morte é um assunto atual. Ela é
discutida em todos os setores da sociedade, mas raramente procura-se examinar,
de forma isenta, o que a Bíblia realmente ensina a esse respeito. Dentro do
nossos estudo, será que o sexto mandamento não elimina a possibilidade de aplicação
da pena de morte? Não deveriam todos os evangélicos fazer coro com os que se
posicionam contrário à aplicação dessa punição considerada tão bárbara e
antiquada?
Os seguintes pontos podem nos orientar na
formação de uma opinião bíblica sobre a questão:
a.
A pena de morte foi instituída no Antigo
Testamento não porque Deus desse pouca vai idade à vida das pessoas, mas exatamente
porque ele considera essas vidas extremamente importantes. Nesse sentido,
perdia direito à sua própria vida qualquer um que ousasse atentar contra a
criatura formada à imagem e semelhança do seu Criador. Esta foi a base da
instituição da pena de morte, em Gn 9.6.
b.
Notamos, nesse mesmo trecho, que a pena
de morte antecede a lei judicial ou civil da nação de Israel. Ou seja, na lei
civil de Israel, temos desdobramentos e detalhamentos da pena capital, mas não
o seu surgimento. Ela foi comandada à raça humana, em termos gerais,
representada por Noé e seus descendentes, da mesma forma que o mandamento
adâmico de "povoar a terra" é reafirmado, no v. 7, a Noé.
c.
O sexto mandamento não constitui uma
proibição à pena de morte. Primeiro, é evidente que a pena de morte (nas várias
situações registradas e prescritas) procede do mesmo Deus que deu
o mandamento – essas determinações não são, portanto, contraditórias entre si.
Segundo, do ponto de vista linguístico, "matar", no sexto mandamento,
significa "assassinar". A proibição do mandamento é contra o
assassinato por indivíduos e não contra uma execução pelos poderes
constituídos, aplicada exatamente em função da quebra desse mesmo mandamento.
d.
A execução das sentenças nunca foi
entregue, por diretrizes bíblicas, desqualificadamente a indivíduos ou
organizações fora do governo estabelecido. Tais grupos não possuem nenhum
direito sobre a vida de quem quer que seja, por mais legítima que venham a
parecer as causas ou razões. A prova disso é a própria instituição das Cidades
de Refúgio estabelecidas por Deus (Nm 35.9-34). Nessas cidades, até os
assassinos confessos e declarados mereciam proteção temporária da fúria
vingativa dos parentes próximos da pessoa assassinada, pois o direito de fazer
pagar com a vida não fora delegado indiscriminadamente aos parentes e aos
amigos da vítima, mas somente após o julgamento devido pelos anciãos –
representando o governo constituído. Por esses princípios, o crente deve ser
contra os grupos de extermínio e de linchamento, que, dando a aparência de
execução de justiça, promovem na realidade a anarquia e a desconsideração pela
vida, eliminando a possibilidade de verificação isenta dos fatos e dos
possíveis crimes cometidos. Esses grupos e pessoas quebram, sem dúvida, o sexto
mandamento.
e.
Não podemos, igualmente, defender a
aplicação da pena de morte para todas as situações temporais prescritas na lei
mosaica
(por exemplo – pela quebra do sábado), pois a legislação civil de
Moisés destinou-se a uma nação específica, numa época específica, dentro de
específicas circunstâncias, com propósitos definidos da parte e supervisionados
pelo próprio Deus.
f.
Parece-nos, entretanto, que a defesa da
pena de morte, aplicada contra assassinatos, baseada nos princípios de Gn. 9.6,
é uma atitude coerente com o horror à violência demonstrado na Palavra de Deus.
A Bíblia é contra a impunidade que reina em nossos dias, contra o desrespeito à
vida e contra a violência. Essa violência, que é fruto do pecado, é uma prova
irrefutável da necessidade de regeneração do homem sem Deus e não pode ser
combatida, com a mesma violência, por indivíduos ou grupo paramilitares, mas é
responsabilidade do governo constituído. A Bíblia é pela lei e pela ordem, pelo
respeito à propriedade e à vida, pelo tratamento da violência dentro dos
parâmetros legais do governo.
g.
Esse entendimento parece igualmente
substanciado pelo Novo Testamento. Quando Paulo escreve em Rm 13.1-5, sobre as
atribuições do governo, percebemos que a pena de morte não é para ser aplicada
por qualquer um, mas faz parte das atribuições de um governo sério, que... não traz a espada em
vão. Essa á a autoridade que é delegada por Deus, contra os
malfeitores.
h.
Esse é, igualmente, o entendimento da Confissão de Fé de Westminster (cap.
XXIII) e do Catecismo Maior (perguntas 135 e 136). As afirmações das respostas
a essas perguntas não deixam margens a dúvidas, que aqueles teólogos
consideravam a pena de morte bíblica e aplicável. Estavam isentos e imunes dos
argumentos humanistas que posteriormente viriam a permear as convicções éticas,
práticas e teológicas do mundo evangélico. Além de outras considerações, a
pergunta e resposta 135 diz que os deveres exigidos no sexto mandamento
compreendem "...todo o cuidado e todos os esforços para preservar a nossa
vida e a de outros"; e a 136, diz, com relação aos "... pecados
proibidos no sexto mandamento": ...o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto:
a.
No caso da justiça pública
b. No
caso de guerra legítima
c.
No caso de defesa necessária
Muito mais poderia ser escrito a respeito
deste assunto polêmico, mas qual é a sua conclusão? Ela é biblicamente
defensável, ou reflete apenas a opinião da maioria, ou o humanismo da nossa
era? Como podemos ativamente obedecer o sexto mandamento e promover a sua
obediência?
P.
134. Qual
é o sexto mandamento?
R. O
sexto mandamento é: "Não matarás." Ref.: Êx 20.13.
P.
135.
Quais são os deveres exigidos no sexto mandamento?
R.:
Os deveres exigidos no sexto mandamento são todo empenho cuidadoso e todos os
esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros, resistindo a
todos os pensamentos e propósitos, subjugando todas as paixões, e evitando
todas as ocasiões, tentações e práticas que tendem a tirar injustamente a vida
de alguém; por meio de justa defesa dela contra a violência; por paciência em
suportar a mão de Deus; sossego mental, alegria de espírito e uso sóbrio da
comida, bebida, remédios, sono, trabalho e recreios; por pensamentos caridosos,
amor. compaixão, mansidão, benignidade, bondade, comportamento e palavras
pacíficos, brandos e corteses; a longanimidade e prontidão para se reconciliar,
suportando pacientemente e perdoando as injúrias, dando bem por mal,
confortando e socorrendo os aflitos, protegendo e defendendo o inocente.
Ref.: Ef 5.29; Mt 10.23; SI
82.4; Dt 22.8; Mt 5.22; Jr 26.15,16; Ef4.26; Pv 22.24,25; 1 Sm 25.32,33; Pv
1.10,11,15; Mt4.6,7; lRs 21.9,10,19; Gn 37.21,22; ISm 24.12; ISm 26.9-11; Pv
24.11,12; ISm 14.45; Lc 21.19; Tg 5.8; Hb 12.5; SI 37.8.11: lPe 3.3,4; Pv
17.22; lTs 5.16; Pv 23.20; Pv25.16;Pv 23.29,30; lTm5.23; Mt9.12; Is 38.21; SI
127.2; 2Ts 3.10,12; Mc6.31; lTm4.8; ICo 13.4,5; ISm 19.4,5;Rm 13.10; Pv 10.12; Zc
7.9; Lc 10.33,34; Cl 3.12; Rm 12.18: lPe3.8,9; ICo 4.12,13; Cl 3.13; Tg 3.17;
lPe 2.20: Rm 12.20,21; Mt 5.24; lTs 5.14; Mt 25.35,36; Pv 31.8,9; Is 58.7.
P. 136. Quais são os pecados proibidos no sexto
mandamento?
R.: Os pecados proibidos no sexto mandamento
são: o tirar a nossa vida ou a de outrem. exceto no caso de justiça pública,
guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios
lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a
inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados
demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras
provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o
que tende à destruição da vida de alguém. Ref.: At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33:
Dt 20.1-20; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt 25.42,43; Tg 2.15,16; Mt 5.22; Uo 3.15; Pv
10.12; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Ef 4.31; Mt 6.3 1,34; Lc 21.34; Êx 20.9,10;
1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18: Is 3.15; Êx 1.14; Gl 5.15; Nm 35.16; Pv 28.17;
Êx 21.18-36.
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