Mesmo
que a maioria das correntes de pensamentos atribua valor à vida, o critério de
valor difere muito em cada uma dessas. Muitas contradizem o ensinamento da
Palavra de Deus levando a decisões meramente utilitárias quanto ao término da
vida humana. Essa situação faz com que o servo de Deus necessite basear suas
convicções sobre a rejeição da eutanásia naquilo que a Bíblia nos revela sobre
essa questão fazendo-o assumir uma postura positiva na preservação da vida e no
cuidado aos que sofrem.
Simplificadamente,
definimos eutanásia como o esforço humano no sentido de apressar a morte
própria, ou a de um parente ou de alguém que está em sofrimento. Ela é
apresentada pelos defensores como sendo uma extensão dos direitos humanos, no
sentido de que cada um deveria ter o direito a decidir sobre a própria vida. O
assunto, entretanto, transcende o suposto direito ao suicídio, pois postula o
direito de alguém decidir sobre a vida de outro, baseado em uma condição
arbitrária e intangível – a existência ou não de qualidade naquela vida a ser
terminada.
Quando
tratamos de eutanásia, não estamos falando de pena de morte, que é a execução
de uma sentença punitiva, retributiva, procedente de um tribunal legalmente
estabelecido e seguindo procedimentos uniformes. É verdade que a pena de morte
envolve a decisão sobre a vida de outros, mas eutanásia baseia-se na aferição
subjetiva da vida que deveria ser terminada, examinando-se se ela perdeu o
sentido, a qualidade ou o seu propósito.
Normalmente
a maioria dos argumentos, tanto dos oponentes como dos defensores da eutanásia
é baseada apenas na experiência e nos relatos de casos:
a. Os proponentes da eutanásia,
apresentarão uma experiência após outra de dor, sofrimento, despesas indevidas,
que sacrificaram os vivos e sãos, somente para resultar na inevitável morte.
b. Aqueles que se colocam contra a
eutanásia, desfilam experiência após outra de casos aparentemente perdidos, de
pessoas que se encontravam em extremo sofrimento e que só aguardavam
(ansiosamente) a morte, para depois se recuperarem e viverem vidas produtivas
e, principalmente, abençoadas para vários com quem mantiveram contato.
Reconhecemos
que sensibilidade e entendimento provêm da experiência, mas o cristão tem por
dever procurar sua postura ética e firmar a sua reação perante os problemas
existenciais que a sociedade lhe aponta, como resultado de um desejo intenso e
sincero de conhecer o que a Palavra de Deus fala, indica ou infere sobre o
assunto. O que terá a Bíblia a dizer sobre a Eutanásia? Encontramos casos de
término abreviado ou induzido da vida, aprovados por Deus? O que terá a Palavra
de Deus a nos ensinar sobre esse assunto?
Questões sobre
a eutanásia são bastante complexas e não poderiam ser examinadas em todos os
detalhes nesse espaço nem respondermos a todas. Gostaríamos, entretanto, de
levantar alguns princípios bíblicos que podem nortear a nossa discussão e firmar
nossas convicções.
1. A Relevância do Debate sobre a Eutanásia
Eutanásia é um assunto que vem
recebendo cada vez mais atenção em todo o mundo. Você sabia que existe uma
organização mundial chamada ERGO (Euthanasia Research & Guidance
Organization -- Organização de Pesquisa e Direcionamento sobre a Eutanásia),
que publica seus anúncios e trabalhos na Internet? Na realidade, existem tantas
organizações defensoras da Eutanásia, que elas se estruturaram em uma federação
mundial (a World Federation of Right to Die Societies, ou Federação Mundial das
Sociedades do Direito à Morte). Nos Estados Unidos, o estado do Oregon
promulgou uma legislação que permitia a eutanásia, em 1987, chamado de Ato de
Morte com Dignidade. Esta lei foi, posteriormente, em 1994 e 1997, submetida a
dois plebiscitos, que a repeliram. Vários estados, dos Estados Unidos, possuem
atos legislativos que estão presentemente sendo questionados na Corte Suprema
daquele país, equivalente ao nosso Superior Tribunal Federal. Na Austrália, o
território do Norte emitiu legislação permitindo a eutanásia, em 1995. Essa lei
foi, em 1997, repelida pelo Parlamento Federal Australiano. Em paralelo a tudo
isso, provavelmente todos já acompanharam as notícias contemporâneas sobre o
trabalho do médico norte-americano, Dr. Jack Kevorkian, inventor da máquina do
suicídio, que auxiliou pessoalmente várias pessoas a encontrarem a morte. Este
médico, presentemente, responde a vários processos criminais, em função de suas
ações em favor da eutanásia.
2. O Valor da Vida.
O humanismo
secular reconhece valor à vida, mas atribui a essa uma qualidade que é
circunstancial (dependente das circunstâncias). Nesse sentido, a aferição
subjetiva da qualidade de vida é determinante no julgamento se esta vida deve
ser terminada ou não. A visão bíblica apresenta o valor da vida, como uma
questão inerente ao fato de que ela é um dom de Deus. A própria criação da vida
humana representa o ápice do trabalho criativo de Deus (Gn 1.26) e é chamado na
Bíblia como sendo a "coroa da Criação". Como o homem foi criado à
imagem e semelhança de Deus o seu valor não se desvanece.
A visão
humanista identifica sofrimento como sendo um fator que diminui essa
"qualidade" de vida, chegando a legitimar o término dessa, quer
voluntariamente, quer pelo arbítrio ou determinação de outro, como, por
exemplo, a de um parente próximo.
A visão
bíblica, além de atribuir valor intrínseco à vida, e não circunstancial, possui
outra visão do sofrimento. Ela reconhece que sofrimento não é algo desejável e
pode diminuir o nosso desfrutar imediato desta vida, numa visão meramente
temporal, como registra Paulo em 1 Co 1.8, "...a tribulação que nos
sobreveio... foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da
própria vida". O sofrimento também pode ocorrer como resultado direto do
pecado (Tg 4.8-9), mas, em várias ocasiões, ocorre dentro dos propósitos
insondáveis de Deus, com a finalidade didática de nos ensinar alguma coisa.
Nesse sentido, paradoxalmente, em vez de retirar qualidade da vida, pode adicionar
qualidade real. O sofrimento pode fazer com que nos acheguemos e dependamos
mais de Deus e capacitar, tanto ao que sofre como aos que dele precisam cuidar,
ao aprendizado de lições preciosas para o crescimento conjunto dos fiéis, como
ensina 2 Cr 1.3 e 4, que diz: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, que nos
consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que
estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos
consolados por Deus". Com essa visão, pensando nos resultados benéficos,
podemos até nos gloriar nas tribulações (Rm. 5.3-4).
Paulo também
nos escreve que "aprendeu o segredo de estar contente em qualquer e toda
situação" (Fl. 4.12). Não podemos confundir o direito de procurar a
felicidade (dádiva de Deus aos homens), com o direito inexistente de se obter
felicidade (prerrogativa da soberania de Deus). Ou seja, a ausência de
felicidade aparente e temporal não diminui a qualidade de vida e não nos dá
nenhuma prerrogativa sobre a decisão de vida ou morte, nossa e de outros, como
defendem os proponentes da eutanásia.
3. Uma visão errada da morte.
Os proponentes
da eutanásia olham a morte como uma "libertação" do sofrimento, mas
possuem uma visão distorcida da existência, pois não consideram:
•
Que a morte é algo não natural, ou seja, é fruto do pecado e sobrevem ao homem
em função da queda (Rm. 5.12).
• Que a morte dos justificados por
Deus, pelo trabalho de Cristo Jesus, é "preciosa aos olhos do Senhor"
(Sl 116.12) porque por ela já se encontrarão com o seu criador, mas em nenhuma
passagem há aprovação para que essa morte seja apressada ou para que a vida
seja terminada arbitrariamente, essa morte ocorre no seio da providência divina.
• Que a morte
dos ímpios, longe de ser liberação de sofrimento, é o início do sofrimento
eterno maior (Hb 9.27 e 10.31).
Qualquer compreensão meramente
utilitária da vida e da morte, que não leve em consideração o fator
"pecado" e o trabalho de redenção do nosso Senhor Jesus Cristo, não
pode ser abraçado ou defendido pelo crente, pois fugirá aos ensinamentos da
Palavra de Deus, nossa única regra de fé e de prática.
Continua... 4. "Eutanásia e aborto"
Autor:
Presb. Solano Portela
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