A. A TRINDADE
EM GERAL. A Bíblia nos ensina que o
Deus único subsiste em três Pessoas. Decididamente esta é uma doutrina de
revelação especial, doutrina que não se revela na natureza, e não pode ser
descoberta pela razão humana.
1- A EXPOSIÇÃO DA DOUTRINA. Deus é uno em seu ser essencial, mas nesse único ser há
três pessoas, chamadas Pai, Filho e Espírito Santo. Essas pessoas não são, no
entanto, como tantas pessoas entre os homens, três indivíduos inteiramente separados
e distintos. Antes, são três modos ou formas em que existe a essência divina.
Ao mesmo tempo, deve-se ter em mente que essas autodistinções no ser divino são
de natureza tal que podem entrar em relações pessoais. O Pai pode falar ao
Filho e enviar o Espírito Santo. O mistério real da Trindade consiste em que as
três pessoas são um em seu ser essencial. E isso não significa que a essência
divina está dividida entre as três pessoas. Ela está inteiramente, com todas as
suas perfeições, em cada uma das pessoas, e não tem existência fora ou à parte
delas. Além disso, em seu ser essencial, as pessoas não estão subordinadas umas
às outras. Pode-se dizer, no entanto, que na ordem de existência o Pai é o
primeiro, o Filho, o segundo, e o Espírito Santo, o terceiro, e essa ordem se
reflete também na obra da criação e da redenção. As três pessoas se distinguem
por certas distinções pessoais: o Pai gera o Filho, o Filho é gerado pelo Pai e
o Espírito Santo procede tanto do Pai como do Filho. Esta doutrina é um dos
grandes mistérios da fé, e por isso está muito além de nossa compreensão
humana.
2. PROVA ESCRITURÍSTICA
DA TRINDADE.
a) No Antigo Testamento. Alguns são de opinião que
o Antigo Testamento não contém quaisquer indicações da Trindade, mas isso não é
correto. Há passagens que indicam que há mais de uma pessoa em Deus, como por
exemplo, quando Deus fala de si no plural (Gn 1.26; 11.7), quando o anjo de Jeová é apresentado como uma pessoa
divina (Gn 16.7-13; 18.1-21; 19.1-22), e quando fala do Espírito como uma
pessoa distinta (ls 48.16; 63.10). Além disso, há algumas passagens em que as
três pessoas são mais ou menos claramente indicadas (Is 48.16; 61.1; 63.9-10).
b) No Novo Testamento. É perfeitamente natural que as provas neotestamentárias
fossem mais claras que as do Antigo Testamento, uma vez que ele registra a
encarnação do Filho de Deus e o derramamento do Espírito Santo. Há diversas
passagens em que as três pessoas são expressamente mencionadas, como no batismo
de Jesus (Lc 3.21-22), nos sermões de despedida de Jesus (Jo 14.16), na grande
comissão (Mt 28.19), na bênção apostólica (2Co 13.13), e também em outras
passagens (p.ex., Lc 1.35; 1Co 12.4-6 e 1Pe 1.2).
3. APRESENTAÇÕES ERRÔNEAS DA TRINDADE. Na igreja cristã primitiva, alguns falaram das três
pessoas da Trindade como três seres divinos distintos, praticamente três
deuses. Os sabelianos consideravam as três pessoas meramente como modos de ação
ou manifestação divina, que Deus sucessivamente assume, revelando-se como Pai
na criação e na transmissão da lei, como Filho na encarnação, e como Espírito
Santo na regeneração e santificação. Assim, as três pessoas eram reduzidas a
uma. Paulo de Samósata, os socinianos da época da Reforma e os unitaristas e
modernistas do presente, todos representam a Trindade como consistindo em Deus
o Pai, o homem Jesus Cristo, e a influência divina que é chamada o Espírito de
Deus. Essa opinião também representa Deus como um, não só no ser, mas também em
pessoa, e com isso praticamente destrói a Trindade.
B. AS TRÊS PESSOAS
CONSIDERADAS SEPARADAMENTE
1.
O PAI. Na Escritura, o nome
"Pai", quando aplicado a Deus, não é usado sempre no mesmo sentido.
Pode indicar o Deus Trino (a) como a origem de todas as coisas criadas (1Co
8.6; Ef 3.14-15; Hb 12.9; Tg 1.17); (b) como Pai da nação escolhida de Israel
(Dt 32.6; Is 63.16; 64.8; Jr 3.4; Ml 1.6; 2.10); e (c) como Pai dos crentes
como seus filhos espirituais (Mt 5.45; 6.6-15; Rm 8.15; Do 1.3). Num sentido
muito mais fundamental, contudo, o nome Pai se aplica à primeira pessoa da
Trindade na sua relação com a segunda pessoa (Jo 1.14,18; 5.17-26; 8.54;
14.12-13).
Essa é a Paternidade original de Deus, da qual toda
paternidade terrena é apenas um reflexo pálido. A propriedade distintiva do Pai
é que ele gera o Filho desde a eternidade. Embora as outras pessoas também
delas participem, certas obras são particularmente atribuídas ao Pai, tais como
o planejamento da obra da redenção, as obras da criação e da providência e a
obra de representar a Trindade no Conselho da Redenção.
2. O FILHO. A
segunda pessoa da Trindade chama-se "Filho" ou "Filho de
Deus". Contudo, esse nome não lhe é aplicado sempre no mesmo sentido.
Considerado puramente a segunda pessoa da Trindade, ele é chamado
"Filho" por causa de sua geração eterna pelo Pai (Jo 1.14,18;
3.16,18; Gl 4.4). Ele também tem esse nome como o Filho encarnado de Deus num
sentido oficial, para designá-lo como o Messias escolhido de Deus (Mt 8.29;
27.40; 26.63; Jo 1.49; 11.27). E, finalmente, ele é chamado o "Filho de
Deus", pelo menos em uma passagem, em virtude de ter sido no seu
nascimento gerado pela operação especial do Espírito Santo (Lc 1.32,35). Em
relação ao Filho, os seguintes pontos merecem atenção particular:
a) Sua geração eterna.
A propriedade pessoal do Filho é que ele é eternamente gerado pelo Pai. A
doutrina da geração do Filho é naturalmente sugerida pelo fato de que a Bíblia
apresenta a primeira e a segunda pessoas da Trindade como tendo a relação mútua
de Pai e Filho, e está ainda baseada em três passagens (Sl 2.7; At 13.33 e Hb
1.5). Por meio dessa geração, o Pai não produz a natureza essencial do Filho,
mas toma-se a causa da subsistência pessoal do Filho - um segundo modo de
existência -, dentro do ser divino. Essa geração do Filho não deveria ser
considerada um ato concluído no passado, mas um ato necessário, e por isso
eterno, do Pai. É eterno, continuando sempre e, todavia, sempre completo.
b) A divindade do Filho. A divindade do Filho é negada por: diversas seitas da igreja
cristã primitiva, por uma hoste de estudiosos liberais durante os dois últimos
séculos e pelos unitarianos e os verdadeiros modernistas e humanistas do
presente. Ela só pode ser negada, contudo, se o testemunho explícito da Palavra
de Deus for desconsiderado. Há passagens que afirmam expressamente a divindade
do Filho (Jo 1.1; 20.28; Rm 9.5; Fp 2.6; Tt 2.13; 1Jo 5.20, entre outras). Além
disso, nomes divinos são aplicados a ele (Jr 23.5-6; Jl 2.32 [cf. At 2.21]; Is 9.6;
1Tm 3.16); atributos divinos lhe são conferidos (Is 9.6; Ap 1.8;; Mt 18.20; 28.20;.Jo
2.24-25; 21.17; Fp 3.21; Ap 1.8); obras divinas são feitas por ele (Mt 9.2-7;
Lc 10.22; Jo 1.3, 10; 3.35; Ef 1.22; CI
1.17; Hb 1.10-12; Fp 3.21; Jo 5.22,25-30); e honra divina lhe é atribuída (Jo
5.22-23; 14.1;1Co 15.19; 2Co 13.13; Hb 1.6).
c) As obras mais particularmente atribuídas ao Filho. A ordem de existência das pessoas da Trindade se
reflete na ordem de suas obras. Se todas as coisas procedem do Pai, procedem por
meio do Filho. Se o primeiro é a causa final, o último é a causa mediadora de
tudo, tanto na criação como na redenção. Todas as coisas são criadas e mantidas
por meio do Filho (Jo 1.3,10; Hb 1.2-3). Ele é a luz que, vinda ao mundo,
ilumina todos os homens (Jo 1.9). Mais particularmente, a obra da redenção é
levada a efeito pelo Filho na sua encarnação, no seu sofrimento e na sua morte
(Ef 1.3-14).
3. O
ESPÍRITO SANTO. Com referência ao Espírito Santo, os seguintes pontos
exigem consideração especial:
a) A pessoalidade do
Espírito Santo. Não é tanto a
divindade, mas a pessoalidade do Espírito Santo que é questionada por muitos. É
negada por diversos sectaristas da igreja primitiva, pelos socinianos do tempo
da Reforma, pelos unitaristas e pelos modernistas, e todas as espécies de sabelianos
do presente. Eles preferem considerar o Espírito Santo meramente como um poder
ou influência de Deus. Todavia, ele é claramente designado como pessoa (Jo
14.16,17-26; 15.26; 16.7-15; Rm 8.26). Características pessoais lhe são
atribuídas, tais como inteligência (Jo 14.26; 15.26; Rm 8.16), afeição (Is
63.10; Ef 4.30), e vontade (At 16.7; 1Co 12.11). Além disso, ele executa atos
próprios de uma pessoa, como falar, sondar, testificar, mandar, revelar, agir
no homem, interceder (Gn 1.2; 6.3; Lc 12.12; Jo 14.26; 15.26; 16.8; At 8.29;
13.2; Rm 8.11; 1Co 2.10-11). Finalmente, há passagens em que o Espírito Santo é
distinto de seu próprio poder (Lc 1.35; 4.14; At 10.38; Rm 15.13; 1Co 2.4).
b) A relação do Espírito Santo com as
outras Pessoas da Trindade. Embora
fosse afirmado anteriormente, com base em João 15.26, que o Espírito Santo
procede do Pai, foi só no ano de 589 d.C. que a igreja ocidental adotou
oficialmente a posição de que ele procede também do Filho. Essa doutrina
baseia-se no fato de que o Espírito é também chamado o Espírito de Cristo e do
Filho (Rm 8.9; GI 4.6), e dele é dito ter sido enviado por Cristo (Jo 15.26;
16.7). Pelo fato de proceder do Pai e do Filho, o Espírito Santo permanece na
relação mais íntima possível com as outras Pessoas.
Ele perscruta as coisas
profundas de Deus (1Co 2.10-11), e até certo ponto se identifica com Cristo
(2Co 3.17). No Espírito, o próprio Cristo volta para os discípulos (Jo
14.16-18). Além disso, nas epístolas de Paulo algumas vezes é Cristo, algumas
vezes o Espírito de Deus de quem é dito habitar nos crentes (Rm 8.9-10; Gl
2.20; 2Co 3.16).
c) A divindade do
Espírito Santo. A divindade do Espírito Santo pode ser estabelecida pela
Escritura por uma sequência de provas semelhantes à que foi empregada em relação
ao Filho. Nomes divinos lhe são dados (At 5.3-4; 1Co 3.16; 2Tm 3.16); as
perfeições divinas lhe são atribuídas (SI 139.7-10; is 40.13-14; 1Co 2.10-11;
12.11; Rm 15.19; Hb 9.14); as obras divinas são executadas por ele (Gn 1.2; Jó
26.13; 33.4; SI 104.30; Jo 3.5-6; Tt 3.5; Rm 8.11); e honra divina lhe é
atribuída (Mt 28.19; Rm 9.1; 2Co 13.13).
d) As
obras mais particularmente atribuídas ao Espírito Santo. Há
certas obras que, embora sejam do Deus Trino, são mais particularmente
atribuídas ao Espírito Santo. Em geral, pode-se dizer que é tarefa especial do
Espírito levar a obra de Deus à conclusão, tanto na criação como na redenção.
Na esfera natural, ele gera a vida e põe assim o toque final na obra da criação
(Gn 1.3; Jó 26.13; SI 33.6; 104.30); e ele inspira e qualifica os homens para
tarefas especiais (Êx 28.3; 31.2-3,6; 35.35; 1Sm 11.6; 16.13-14). E, na esfera
da redenção, prepara e qualifica Cristo para a obra redentora (Lc 1.35; 3.22;
Jo 3.34; Hb 10.5-7). Ele inspira a Escritura (1Co 2.13; 2Pe 1.21), forma e
aumenta a igreja, habita nela como o princípio da nova vida (Ef 1.22-23; 2.22; 1Co
3.16; 12.4ss), e ensina e guia a igreja, conduzindo-a em toda a verdade (Jo
14.26; 15.26; 16.13-14; At 5.32; Hb 10.15; 1Jo 2.27).
PERGUNTAS PARA
RECAPITULAÇÃO:
1. A
doutrina da Trindade pode ser descoberta na natureza?
2. Como as
três pessoas em Deus diferem de três pessoas entre os homens?
3. Há
qualquer subordinação das pessoas em Deus?
4. Como
podemos provar a Trindade no Antigo Testamento?
5. E no
Novo Testamento?
6. Contra
que erros se deve guardar quanto a esse erro?
7. Em
quantos sentidos diferentes o nome “Pai” é aplicado a Deus?
8. Que
obras são especialmente atribuídas ao Pai?
9. Em quantos sentidos
diferentes o nome “Filho” é aplicado a Cristo?
10.A geração do Filho é um
ato concluído no passado?
11.Quais são as obras
especialmente atribuídas ao Filho?
12.Como se pode provar a
divindade do Filho e do Espírito Santo?
13.Como se pode provar que o
Espírito Santo é uma pessoa e não meramente um poder ou influência?
14.Como o Espírito Santo se
relaciona com as outras pessoas da Trindade?
15.Quais são as obras
especialmente atribuídas ao Espírito Santo?
16. Quais são as propriedades
características do Pai, do Filho e do Espírito Santo?Do Livro: Manual de Doutrina Cristã, Louis Berkhof - Ed. Cultura Cristã.